Se falamos de criatividade e de identidade de marca, a Issey Miyake certamente é uma das minhas favoritas. Apesar da aposentadoria de seu criador em 1997, a organização exemplar dos times de criação, desenvolvimento e pesquisa – inclusive um dos pontos fortes da Issey Miyake! – conseguiu manter uma belíssima coesão nas coleções posteriores, temporada após temporada, com designs revigorantes, alinhados com o DNA da marca e, ainda assim, sem medo de apostar em novidades e em sua própria atualização.
Em preparação para os desfiles da Semana de Moda de Paris (temporada outono/inverno 2022-23), até então previstos para acontecer entre 28 de fevereiro e 8 de março, resolvi revisitar a apresentação de primavera/verão 2022 da Issey Miyake, exibida no formato digital em 1º de outubro do ano passado. A coleção, desenhada por Satoshi Kondo, tinha como tema “A voyage in descent” (lit. “uma viagem em descida”), inspirada pelas profundezas do mar, mas também, conforme as próprias palavras de Kondo para a Vogue, pela própria natureza e funcionamento do processo criativo.
Composta por 40 looks organizados em 6 eixos temáticos, a coleção trouxe o que a Issey Miyake tem de melhor: silhuetas fluidas, cores vívidas, estampas e tingimentos de alto padrão, além de uma incrível conjunção entre trabalho manual e técnicas avançadas de costura, corte e modelagem. Para a seção “Fluidity Loop”, por exemplo, Kondo e seu time tomaram como referência as formas orgânicas do mar para criar peças tecidas em uma malha em espiral quase sem costuras, o que lhes conferiu uma fluidez que envelopa o corpo de quem veste, acompanhando sua silhueta e criando um movimento próprio, quase como uma água-viva.
Já para a série “Link rings”, tivemos o resgate de um clássico, talvez a assinatura da Issey Miyake, com seus plissados que magicamente passam do bidimensional para o tridimensional bem diante dos nossos olhos. No vídeo, essa transformação pode ser vista no quarto minuto, durante o qual uma peça é puxada para cima e vai se desenrolando; a força da gravidade forçando vários círculos plissados para baixo até dar forma para um vestido que, no take seguinte, é visto no corpo da modelo.
Kondo já declarou em outras ocasiões ser movido pelo nosso amado e conhecido princípio do Ma (間), a espacialidade do entre, e na primavera/verão 2022 é possível ver alguns diálogos estabelecidos com esse conceito estético. Na página contida no site da marca em que estão detalhadas todos os seis eixos, explica-se que a referida coleção é uma viagem “começando com um retrato do silêncio e da tranquilidade primeiramente sentidas na água, continuando com a sensação inspiradora de fazer novas descobertas no mar profundo”. De fato, o vídeo se inicia na linha instável que separa o mar da superfície, momento então em que penetramos calmamente junto com as modelos nas águas ondulantes e translúcidas.
Uma transição, durante a qual descemos uma escada branca como as que vemos em piscinas, reforça em nós a ideia de calmaria, um paradoxo se pensarmos que as profundezas do mar normalmente são representadas pela escuridão, pela tensão do perigo e pelo medo do desconhecido. Aqui, pelo contrário, flutuamos (literalmente) vestidos não com trajes de mergulho, mas com tecidos leves, esvoaçantes, coloridos à mão por artesãos de Quioto, cuja técnica de hikizome faz com que as cores se misturem espontaneamente enquanto secam, criando padronagens únicas.
É ou não é uma visão refrescante, se me permitem o clichê para uma coleção de primavera/verão? Ao longo das próximas semanas, quero revisitar o trabalho de outros designers japoneses que se apresentam em Paris, uma espécie de aquecimento para o que está por vir na nova temporada!
Deixo vocês, por fim, com o vídeo da “A voyage in descent” para que também tirem suas próprias impressões. Quem amou?
Texto originalmente publicado no Portal JAPONI.
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